Seu smartphone já deve ter oferecido para fazer uma cópia de segurança das suas imagens no Google Fotos ou no iCloud. As versões mais novas do Office, da
Microsoft, têm opção para salvar documentos, planilhas e apresentações no OneDrive. Por trás de tudo isso, está a nuvem, essa palavra mágica que promete que seus arquivos estarão sempre disponíveis para serem acessados pela internet. Mas, afinal de contas, onde essa “tonelada” de dados está arquivada?
Ao contrário do que o nome sugere, essa nuvem não fica pairando no céu, sobre nossas cabeças. “A definição de nuvem pode parecer obscura, mas, basicamente, é um termo utilizado para descrever uma rede global de servidores. A nuvem não é uma entidade física, mas uma vasta rede de servidores remotos ao redor do globo que são conectados e operam como um único ecossistema”, diz Loredane Feltrin, diretora de produtividade na Microsoft Brasil. Só a Amazon, por exemplo, tem mais de 2 milhões de servidores ao redor do mundo, segundo o site The Conversation.
Os donos do céu
O país que realmente pode levar a coroa de “dona da nuvem” é a Irlanda. Muitas companhias têm seus servidores por lá. O país foi escolhido por
uma série de fatores como terras baratas, impostos mais baixos — meros 12,5%,com a Cleber Viana, diretor executivo da Accenture Operations, isso tem a ver com as regulamentações de proteção de dados vigentes no país, que obrigam as empresas a manterem os dados dos cidadãos alemães em território nacional.
Nas Américas, segundo Viana, os EUA são um nome forte por serem berço das principais empresas de tecnologia e lar das principais inovações do setor, além. O Brasil também tem um número considerável de servidores e datacenters de cloud, servindo com um hub para a América Latina.
Na Ásia, o Japão se destaca por motivos parecidos com os dos EUA. Singapura também apresenta peso considerável no setor por oferecer tributação competitiva para as empresas. O executivo também destaca o caso da China, que tem presença muito forte de servidores e datacenters de empresas do próprio país, como Alibaba e Huawei.
Segundo Viana, alguns países que devem apresentar crescimento nesse setor são Argentina e Chile, para América Latina, Turquia e Grécia, para União Europeiae Oriente Médio, e África do Sul, para o continente africano.
E o Brasil?
Os arquivos de usuários brasileiros do Office 365 ficam distribuídos entre EUA, Chile e o próprio Brasil. “Temos nosso datacenter instalado no Brasil desde 2014.”, explica Feltrin. “O Brasil está entre as 44 regiões por onde estão distribuídos os mais de 100 data centers da Microsoft – é o primeiro da América Latina e do Hemisfério Sul. Vale ressaltar que, na época que inauguramos nosso data center no Brasil, aumentamos de 10 a 30 vezes a velocidade dos serviços para clientes brasileiros.”
Os servidores do Google também estão no Brasil e em mais uma penca de países. “Os servidores do Google Cloud Platform (GCP) estão hoje em 12 países: EUA,
Canadá, Brasil, Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Holanda, Índia, Singapura, Taiwan, Japão, Austrália“, diz Antonio Chaddad Fernandes, executivo de contas do Google Cloud.
No ano passado o Google inaugurou servidores em São Paulo e, com isso, o tempo de resposta (a diferença entre você clicar em algo no seu dispositivo e a ação ser executada) para usuários caiu entre 80% e 95%. Esse é um ponto importante para ter os servidores próximos de quem acessa aos dados.
Outra gigante do setor é a Amazon, com sua subsidiária Amazon Web Services. “A AWS trabalha com o conceito de Regiões, contando atualmente com 18 no mundo. Cada região tem, no mínimo, três zonas de Disponibilidade, e cada zona de disponibilidade tem pelo menos um datacenter”, conta a empresa. “Na América Latina, temos a região São Paulo, que é localizada no Brasil.”
O que atrai a nuvem
Vários fatores podem atrair servidores e clientes para um determinado país ou outro. Para quem busca eles, o dinheiro pode falar mais alto. “Muitas vezes, para uma empresa, é melhor contratar um serviço nos EUA porque o preço é menor, mesmo pagando em dólar”, diz Cleyton Ferreira, diretor técnico do UOL DIVEO.
Para quem vai construir um servidor vários outros elementos entram na conta.
“Questões relativas aos custos de manutenção de grandes servidores, ao regime regulatório existente no país (em termos de proteção de dados e de tributação) e até ao clima (países com temperaturas mais amenas são preferíveis) podem pesar”
Jacqueline de Souza Abreu, coordenadora da área de Privacidade e Vigilância do InternetLab.
Ronaldo Salvador, professor de engenharia da computação da Faculdade de Engenharia de Sorocaba, também destaca a questão da energia como um fator limitante em território brasileiro. “Aqui, não dá para contratar energia de dois fornecedores, o que faz com que os data centers brasileiros fiquem limitados ao chamado Tier III. Não quer dizer que são ruins, pois muitos têm seus geradores para garantir o fornecimento em caso de falta de energia, mas não podemos oferecer as condições de resiliência para um grau IV ou superior, como acontece lá fora.”
A questão do clima é importante, pois diminui os gastos com resfriamento dos servidores – quanto mais quente um país, mais difícil e caro se torna esse processo. É tão importante que a Microsoft colocou em 2015 um tubo de aço com servidores para funcionar no fundo do mar, próximo à costa da Califórnia. Assim, as próprias temperaturas baixas dispensaram o uso dos sistemas de resfriamento.
A nova perna do projeto começou agora em junho de 2018, com a instalação de um novo datacenter submarino. Desta vez, ele ficará na costa da Escócia. Além detodos esses elementos, a latência tem papel fundamental na escolha.
Para Pietro Delai, gerente de consultoria e pesquisa da IDC Brasil, a principal questão é mesmo a velocidade. “Com relação às questões técnicas e financeiras, dá-se um jeito. A energia elétrica, por exemplo, é cara no Brasil, mas está disponível, ainda que a um custo mais alto. O que ainda não foi inventaram uma forma de mudar a velocidade da luz”, brinca o executivo.
O tempo de latência, segundo Delai, vai ser cada vez mais importante. “Se você pensar em internet das coisas, por exemplo, são aplicações que não precisam de muita banda, pois transmitem poucos dados, mas precisam de baixo tempo de latência, pois exigem respostas rápidas.
Assim, é preciso escolher um local que ofereça a latência mais baixa possível.
Privacidade e segurança
Se os servidores com as informações não estão no país de quem é dono delas, como ficam questões de privacidade e segurança de dados?
Em geral, via de regra, aplicam-se a dados armazenados na nuvem a legislação do país em que estão localizados os dados. Mas essa regra não evita nem resolve eventuais conflitos de natureza transnacional. Jacqueline de Souza Abreu
Uma novidade recente nesse campo é o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia (https://www.uol/noticias/especiais/gdpr.htm), que entrou em vigor em 25 de maio. Ela é avaliada como a legislação mais avançada do tipo e tem forçado diversas empresas a mudar seus termos de uso.
“Comparado ao texto da diretiva que ela substitui, há algumas novidades, como abrangência do escopo da jurisdição dessa lei europeia para serviços ‘do exterior’, realização de avaliações de impacto de risco em privacidade, direito à portabilidade dos dados (levar as informações para outro provedor), operacionalização de notificações de incidentes de segurança (como o prazo de 72h), com os quais esses serviços precisam se adaptar”, comenta Jacqueline.
Se a União Europeia está na vanguarda em termos de legislação para proteção de dados dos seus cidadãos, o Brasil deve aprovar uma lei na mesma linha. “O Brasil deve correr para aprovar uma lei geral de proteção de dados, que regulará todo e qualquer tratamento de dados pessoais por entidades públicas e privadas”, opina a porta-voz do InternetLab.
Foto capa: Atlas Internacional de Nuvens