Blockchain, Web3 e comida por aplicativo

Depois de falar com algumas pessoas sobre o tema, e entender que o exemplo do aplicativo de comida ajuda a colocar as coisas em perspectiva, decidi escrever esse texto e postá-lo por aqui.

Atualmente é muito comum ouvir que Blockchain veio para criar uma revolução no campo da tecnologia e que, junto com a Web3, serão a nova forma como as coisas funcionarão. E ainda, que isso irá ocorrer porque agora é possível descentralizar os dados, as identidades e os ativos (cito “Blockchain” para simplificar e englobar qualquer tecnologia que torna a distribuição e descentralização possíveis, como DLTs, por exemplo). Com isso, teremos a propriedade dos nossos ativos digitais, mais privacidade, mais segurança, mais liberdade, entre outros.

Mas o que isso impacta no dia a dia? Quais são as vantagens da descentralização? Isso significa que os dados agora ficarão replicados em vários lugares? Se os meus dados forem replicados em diversos lugares, como melhorar a privacidade e a segurança? E quais as desvantagens disso tudo?

Começando, ser distribuído e descentralizado não quer dizer ser que seja apenas replicado, mas sim que a responsabilidade sobre o armazenamento não está mais sobre uma única entidade ou empresa. Neste modelo, as várias entidades, ou participantes da rede, compartilham dessa responsabilidade.

E aí entra a Blockchain!

A Blockchain, ou uma tecnologia semelhante, é o que permite que estas várias “cópias” das informações sejam mantidas íntegras, seguras e válidas, ou, se preferir, aceitas pelo consenso da rede, trazendo transparência nas transações e ao mesmo tempo evitando que alguém possa inserir informações que não atendem às regras da rede, como gastar além do seu saldo em criptomoeda ou pegar para si um item colecionável.

A partir disso os impactos são variados, e o mais evidente é que se alguns participantes desistirem da responsabilidade de manter os dados, a rede ainda sobrevive. O que é diferente do modelo centralizado tradicional, em que quando a entidade que mantém os dados desiste de operar, os dados deixam de estar disponíveis. Aqui podemos encontrar diversos exemplos, um bem conhecido é o Orkut que, assim como outros sites de blogs e páginas que deixaram de prestar serviço, tudo que seus usuários possuíam deixou de ser acessível. Ainda assim existe a possibilidade de que a rede inteira deixe de existir. É mais difícil acontecer, mas não impossível de todos os participantes desistirem de manter seus equipamentos operando na rede, por não terem incentivos suficientes, por exemplo.

Então a saída é colocar tudo em Blockchain, para nunca mais perder nada? Também não é por aí! Armazenar dados em Blockchain é muito custoso, então conectamos outras formas de armazenamento distribuído para manter os dados de maior volume. Podemos pensar da seguinte forma: a Blockchain registra a transação de quem é o proprietário do conteúdo junto com um link para o conteúdo, e o conteúdo em si fica no armazenamento distribuído, que também precisa ter algumas características específicas, como não permitir que conteúdo seja alterado.

Agora, se meus ativos digitais estão no armazenamento distribuído e a minha propriedade deles está garantida pela Blockchain, quem é responsável por garantir que eu sou eu? Bem… Você!

Se no modelo tradicional o site que guarda seus dados e seus ativos também guarda suas credenciais (ex: e-mail e senha), para garantir que você é você, no modelo distribuído cada um é responsável por manter as suas próprias credenciais: o par de chaves pública e privada.

A principal vantagem emerge: os sites e aplicações não precisam mais saber quem é você, apenas saber a sua chave pública, ou uma derivação dela, para identificá-lo. Ou seja, suas credenciais (chave privada) não trafegam mais na rede sempre que você precisar se identificar. De um lado, mais segurança e privacidade, de outro mais responsabilidade. Pois, em caso de perda ou comprometimento das chaves, não é mais possível entrar em contato com o atendimento ao usuário e recuperar a sua senha.

Algo que podemos nos perguntar: Vale a pena assumir essa responsabilidade? Acredito que vai depender de cada um responder até onde está sua disposição para isso.

Muito bem, agora para colocar em perspectiva, o exemplo de como seria um potencial cenário para um aplicativo de entrega de comida criado para Web3. Claro, é apenas uma visualização de como poderia ser, vários pontos precisam ser melhor explorados, mas acredito que ajuda a tornar o assunto mais palpável.

  • O primeiro passo é o faminto usuário gerar suas chaves pública e privada, gerando um endereço válido na Blockchain, por exemplo 0x12a3b. Depois, o usuário acessa sua corretora de preferência, para a qual transferiu dinheiro ‘normal’ (fiat), e deposita algumas criptomoedas em seu endereço;
  • Com algum saldo em cripto na sua carteira digital, acessa o aplicativo de entrega de comida usando seu endereço na Blockchain. Adicionalmente, indica um primeiro nome, ou um identificador qualquer para facilitar no momento da entrega. Digamos, “apartamento 123”;
  • Navega normalmente pelo aplicativo, escolhe o restaurante, a comida, monta seu pedido e envia;
  • O aplicativo recebe o pedido, avisa o restaurante, seleciona quem vai fazer a entrega e devolve para o usuário a confirmação. Na confirmação constam os endereços Blockchain do aplicativo, do restaurante e do entregador, juntamente com os valores, em criptomoeda, a que cada um tem direito. Além disso, é enviada a chave pública gerada pelo aplicativo do entregador;
  • Ao receber a confirmação, o aplicativo do usuário envia seu endereço ao aplicativo de comida em uma mensagem encriptada com a chave pública do entregador (somente o entregador terá acesso ao endereço);
  • O restaurante inicia preparação do pedido e aguarda o pagamento em sua carteira digital. Recebendo o pagamento, libera o pedido para retirada;
  • No momento da retirada do pedido no restaurante, o aplicativo do entregador usa a sua chave privada para abrir a mensagem que contém o endereço de destino e traça a rota para a entrega;
  • Chegando ao destino, o entregador anuncia a entrega usando a única informação que ele possui sobre o usuário do aplicativo: “apartamento 123”;
  • O usuário, satisfeito com a entrega, decide enviar uma gorjeta diretamente ao entregador usando o endereço Blockchain do entregador.

Alguns pontos interessantes de se observar: Não foi necessário distribuir dados pessoais a todos os participantes do processo, nem mesmo o e-mail; Fica transparente para o usuário onde estão os custos, do restaurante, da intermediação do aplicativo, das transações (as taxas da rede), o que permite melhores decisões e entendimento de como as coisas funcionam; Do mesmo modo, o envio direto da gorjeta para o entregador garante o recebimento integral, sem que haja dependência do aplicativo.

Isso nos leva uma pergunta: Na web3, ainda vale a pena ter o aplicativo de comida como intermediário? Cada um vai ser capaz de responder a esta pergunta com base no valor percebido pelas facilidades que o aplicativo traz em face do custo que ele adiciona na transação, agora evidente.

Para finalizar, precisamos ainda considerar que existem outros aspectos das transações que envolvem dinheiro, como coleta de impostos e prevenção à lavagem de dinheiro. Para isso, os órgãos responsáveis também precisam passar a reconhecer as pessoas por seus endereços Blockchain. As corretoras e exchanges seguem responsáveis pelos procedimentos de identificação de pessoas e origem do dinheiro (AML, KYC).

Esta última parte, talvez seja facilitada se ao invés de usar uma Blockchain de criptomoeda distribuída, seja utilizada uma moeda digital provida pelo banco central do respectivo país (CBDC).

Enfim, ainda vai levar algum tempo para entender como essas novas peças de tecnologia vão se encaixar no quebra-cabeça de tecnologias que usamos no cotidiano. Sabemos que desde que a internet surgiu muita coisa se criou, algumas deram certo e outras nem tanto, só com o tempo saberemos o que veio para ficar e o que será apenas transitório.

TAGS: #blockchain

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